Quero escrever um poeminha à toa,
um poeminha vagabundo,
desses que não dizem nada,
que estão aí só por estar,
sem pretensão alguma,
sem razão de ser:
– Que poeminha bom é estar
junto a você! –
Quero escrever um poeminha à toa,
um poeminha vagabundo,
desses que não dizem nada,
que estão aí só por estar,
sem pretensão alguma,
sem razão de ser:
– Que poeminha bom é estar
junto a você! –
A vida pode ser mais do que isso,
mais do que dores e cansaço,
mais do que política e descaso.
Há de haver um compromisso,
uma vontade de fazer diferente,
de não ser como toda essa gente
que só faz o que é preciso.
Está mais do que na hora
de vivenciar a poesia,
esta linda ave canora,
à luz do dia a dia.
E para além das palavras,
um aroma doce e suave,
uma canção sempiterna
e um desejo de encontro.
Hoje eu caminhei pela cidade:
dores escondidas em cada esquina,
solidões anônimas nos bancos da
praça,
jardins da vida ressecados,
muros, grades, lanças e portões.
Não quero ser poeta das coisas
mortas;
melhor dar mais uma volta.
Taça de cristal despedaçada,
flores murchas,
móveis empoeirados,
enfim, imagens do que restou.
***
Eu mal consigo sentir qualquer gosto ou odor,
e o ar ao meu redor parece rarefeito e indiferente;
ah, os pequenos sufocamentos do
dia a dia.
***
Tento outra vez atravessar uma
parede de ressentimentos e falta de amor.
***
Espero um mais pouco,
olho para todos os lados,
e sinto a brisa suave da manhã em
meu rosto,
o cheiro da primavera em flor.
***
O futuro não se mostra excitante,
e o passado ruge como uma fugidia
e capciosa lembrança.
Tento não pensar em nada
– sei que sou poeira ao vento –;
quero apenas fincar os meus pés
no possível, no palpável.
Eu espero um pouco mais,
tento não me desesperar.
Horas se tornam dias,
dias se tornam anos,
e o silêncio reverbera,
e luzes rarefeitas escoam pelas
frestas do tempo.
Lá fora o vento frio do outono
sopra indiferente,
já aqui dentro sinto uma solidão
dilacerante.
Estou tentando ser mais paciente,
menos intransigente, mas não está sendo fácil.
***
Desidealizar o amor, as amizades,
a vida;
é preciso ser aquilo que se
precisa.
Nas asas da loucura,
seguindo na contramão,
eu estou à beira do meu leito,
quase caindo em mim,
quase achando alguma solução.
Todo dia as mesmas notícias:
necrose, ignorância e incivilização.
Tomo mais trago deste mal ardente;
em devaneio, penso no próximo
carnaval.
Não quero mais isso
nem quero mais aquilo.
Anacronicamente, e de uma vitrola
improvável,
ouço a voz renitente de Sérgio
Sampaio:
“silêncio na tarde dos homens,
silêncio”
Nevoeiro nas mentes:
homens perambulam, perdidos,
exclamando certezas morais,
iluminações políticas;
há algo de muito errado no
paraíso outrora tropical.
Eclipse das mentes, endurecimento
dos corações,
tudo envolto em trevas,
ignorância e medo.
Paira no ar uma vontade de
exterminar o diferente,
de acabar com qualquer dissenso,
de ser mais um na multidão.
Cheiro pútrido de glórias
passadas,
um misto de estupidez,
ressentimento e rancor.
***
Simplesmente, não sonhe nem mesmo
um pequeno sonho comigo.
***
Há um quê de fingimento em toda
alegria;
há muita sinceridade em cada
pequena dor.
Caminho para lugar nenhum
Um olhar vazio, distante
Você nunca está lá
Os salões cheios de passageira
esperança
Festiva loucura que não termina
A angústia como uma lâmina afiada
Quinquilharias que junto pouco a
pouco
Triste, pálido (e contínuo) dia
de inverno
O grito não sai
O odor permanece
Só agora começo a entender a sua
doce insensibilidade.
(Para Rebecca Nora Bunch)
Apaixonar-se após uma única
canção;
tocar, com uma dança
coreografada,
um sapateado, um dueto, a alma;
sentir-se em uníssono com a
música;
estremecer a cada acorde;
sentir os dedos suaves da beleza,
sem um propósito racional,
deslizar por todo o corpo;
vibrar com a batida rítmica da
vida.
Vibratos, arranjos e emoções: molto
vivace!
E tanta gente que não gosta só
porque é “tudo cantadinho”.
Quero encher o seu cabelo de flores,
fazer do meu empedernido coração
um quê de louvor e prece;
diante da relva molhada,
quem sabe numa manhã emoldurada,
transladar argênteo sonho,
jovial e alvissareiro,
para o mundo cá em baixo;
ouvir sua voz edulcorada,
sentir seus dedos deslizando
suavemente,
ousadamente...
***
Uma doce sensação, mistério e
paixão;
eco renitente de uma antiga (e
sempre nova) rima.
Nos rios da Babilônia,
às margens do Sena,
no Rubicão, Ipiranga,
ou mesmo no córrego aqui da vila,
um sentimento de efêmera
eternidade,
de um não retorno: ponto de
inflexão.
Eis o fim das grandes ideias,
das grades que ocultam flores,
de um tempo que se apaga pouco a
pouco.
A revolução acabou,
o sonho definhou,
(todos já foram guilhotinados)
e no jogo do poder já se entrevê
a ascensão de um novo déspota.
Por todos os lados, até onde a
vista alcança,
milhares e milhares de estátuas
de sal.
Nada tenho que realmente me pertença.
***
Achei, um dia, que nos
pertencíamos, inseparáveis,
como um sistema binário em uma
eterna dança gravitacional.
O átomo da vida manterá a sua
majestosa integridade, eu pensava;
oh, fissão de minhas etéreas
certezas.
Dúvidas, dúvidas e dívidas foram
o que me restaram...
Na nuvem de gás e poeira que me
habita,
sentimentos não revelados e
verdades nunca ditas.
***
– inércia –
Zero Absoluto
***
Talvez nas luas de Saturno,
quem sabe para além da nuvem de
Oort,
uma supernova,
trazendo a vida por meio da
morte,
nos revele o até então
desconhecido óbvio.
Vagando entre as criaturas da
noite,
com um coração petrificado,
vejo lúgubres figuras,
sonhos terríficos,
o passar dilacerante do tempo.
***
Tento – sem nunca conseguir – acabar
com tudo,
com a viscosa esperança que me
persegue,
com a consciência de que não há
caminho de volta.
Até agora nenhum sintoma
aparente, febre ou loucura;
a normalidade se mostra em toda a
sua triste magnificência.
***
À sombra de um cipreste,
longe de qualquer presença humana,
contemplo o vasto e indiferente
céu outonal.