Nós
possuímos uma clara tendência à criação de padrões, estabelecendo em tudo
relações de causa e efeito, criando assim – pelo menos em nossas cabeças – uma
sistematização de algo que nos parece caótico. Não me refiro aqui a existência
ou não de padrões na natureza, nem ao modo mais adequado para perceber tais
padrões, me atenho principalmente ao fato de que somos seres moldados
evolucionariamente para a busca de sentido. Arquitetamos narrativas para a
criação do mundo; inventamos histórias que justifiquem os nossos sofrimentos;
buscamos respostas para os mínimos eventos do nosso cotidiano; entrelaçamos
todas as coisas em um arcabouço teórico ordenado, lógico, verossímil, porém
falso. A problemática neste ponto está na dificuldade que temos de nos
desapegarmos de nossas próprias certezas; o homem, de fato, sempre será “a
medida de todas as coisas”, não temos como fugir das limitações impostas pelos
nossos sentidos e, principalmente, pela nossa restritiva capacidade
cognitiva. O que nos resta, caso
tenhamos coragem, é “ousar saber”, mesmo que esse saber contradiga aquilo que
acreditamos mais profundamente, mesmo que o quadro pintado seja desolador.
Crescer apesar de toda a dor ou resignar-se com as respostas prévias já
obtidas, eis a questão.
Antes
de qualquer coisa, devemos entender que religião é tradição, é ouvir a
sabedoria dos nossos antepassados, é aprender com os erros daqueles que já
trilharam o mesmo caminho que estamos trilhando agora.
Podemos
cultivar uma espiritualidade sem uma religião que a sustente, podemos inclusive
cultivar uma espiritualidade sem Deus, mas o que a experiência nos mostra é que
as pessoas que possuem uma religião e a praticam conseguem desenvolver muito
mais facilmente a sua espiritualidade.
De um
modo geral, as pessoas mais espiritualizadas são as religiosas, pois estas
seguem preceitos e orientações, dedicando a sua vida a uma contínua busca pelo
aprimoramento próprio. Quando o indivíduo abandona a religião e tenta ele mesmo
cultivar essa espiritualidade ao seu modo, ele acaba geralmente afrouxando o
seu compromisso pessoal com a sua própria melhoria – antes a pessoa tinha que
ser melhor porque Deus queria, agora ela precisa ser melhor pelo simples fato
de que quer ser melhor (e sabemos muito bem como somos autoindulgentes quando
dependemos somente de nós mesmos).
Na
famosa frase de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido",
temos, de um lado, o arcabouço moral de uma tradição milenar a nos orientar e,
de outro lado, o homem abandonando a sua história, o seu passado, decidindo por
si mesmo o que é certo e errado. Eis o dilema: seguir a trilha demarcada por
aqueles que vieram antes de nós ou abrir a golpes de facão um novo caminho?
Espiritualidade
(sem religião) é trilhar o próprio caminho, sozinho. E sozinho é bem mais fácil
se perder. É claro que podemos alcançar ótimos resultados sem nenhum auxílio
externo, demorará mais tempo, maiores serão os obstáculos, mas os resultados também
poderão ser muito satisfatórios. Cada um escolhe o seu próprio caminho: vencer
somente às custas do próprio mérito é muito honroso; vencer utilizando
ferramentas, métodos e a sabedoria acumulada de séculos não é nem um pouco
vergonhoso.
março 15, 2017
No Comments