Lágrimas
não mais me comovem, por certo que sequei por dentro. Meu coração, outrora tão
afável e generoso, parece hoje petrificado pelas agruras e sofrimentos desta
nossa mísera existência. O que terá comigo acontecido? Onde talvez tenha eu
perdido o encantamento pela vida? E, por mais que eu investigue, não encontro
respostas. O opaco da vida é muito diferente do brilho das utopias.
Num dia
desses, estava eu a recordar o passado, um tanto longínquo, que aos poucos se
desvanece à ação lenta e contínua do tempo. E, aos poucos, fui mergulhando num
mar de doces recordações pueris, alegres peraltices e não poucas imaginações.
Neste revolver das minhas reminiscências senti-me assaz extasiado, imensamente
contente por compreender que nada na vida é em vão vivido, podemos sempre
trazer de volta os doces momentos vividos e, por que não, ao trazê-los de volta
à flor da mente experienciarmos outra vez as alegrias e dores de outrora,
certamente não com o mesmo sabor de novidade e incerteza que existe somente no
instante presente, mas com aquele prazer de analisar e buscar entender qual
eram as forças que nos moviam, quais sentimentos verdadeiramente nos agitavam e
o que de fato acontecia.
Ao
passo que estas recordações vinham à tona em meu consciente, fui percebendo as
alterações da vida, a meninice já um tanto esquecida, o espírito otimista e
brincalhão que para trás ficou, e tal agitação tomou conta de mim de uma forma
tão intensa que acabei deixando cair uma pequena e contrita lágrima. Foi como
estar a contemplar um espelho e ver que as marcas do tempo em muito apagaram em
meu espírito a jovialidade da tenra idade. Quem assim ler estas minhas palavras
com certeza há de pensar que quem as escreve é por certo uma pessoa de muitas
primaveras, mas não, não sou um homem velho, entretanto a aspereza e conflitos
da vida, de certa forma, nos embrutecem o espírito e nos tornam por assim dizer
uma sociedade decrépita.
Ao
passo que penso não ser necessário cair em alguma fonte do rejuvenescimento,
muito menos querer aparentar uma idade ao qual não temos, devemos, pois, buscar
no recôndito de nossa alma a essência da vida, reconstituir em nós a chama da
esperança, a alegria sincera e espontânea da criança que há dentro de cada um
de nós, pois com certeza debaixo do pó e dos escombros do coração humano ainda
existe com certeza os resquícios de uma esplendorosa civilização. É uma
questão, em minha opinião, de valorização do que temos de mais precioso, mas a
cada um cabe a sua interpretação.
Neste
dia, terminada estas minhas reflexões, silenciei-me por fim.
janeiro 15, 2015
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O
ambiente fúnebre em que me encontrava trazia à superfície intacta dos meus
pensamentos o afloramento de sensações e de sentimentos há muito esquecidos.
Olhava tudo com uma perspicácia atroz, buscando desvendar atrás de cada rosto
sisudo e triste, atrás de cada pranto e gesto cerimonioso, uma verdade oculta
que redimisse toda a dissimulação humana. As sombras dos candelabros clareavam
e, ao mesmo tempo, obscureciam a minha face. O cheiro de flores murchas
impregnava o ar com um odor nauseante. O silêncio era quase absoluto.
Eu
observava atentamente o meu corpo inerte preso irremediavelmente àquele ataúde
que encerrava tantos sonhos não realizados, tantos amores não vividos e,
sobretudo, tanto tempo desperdiçado. Lutei a minha vida inteira por uma causa
que ao final se me mostrou inútil. Ah, se eu soubesse da irrelevância de toda
ação humana! Mas todos os presentes eram unânimes em admitir a minha alta
significância por causa do meu papel social muito bem desempenhado. As minhas
virtudes, oh, as minhas virtudes - eu me tornara de repente um ser sublime,
honrado e bondoso. Senti-me sufocado por tantas vozes e pensamentos, quis
gritar exasperado, porém não consegui, a nadificação da minha existência seria
o meu eterno aprisionamento.
Havia
ali um espelho embaciado, e me detive diante dele a buscar repostas para as
últimas inquietações de uma consciência que aos poucos se obliterava. Cada
segundo parecia ter a duração de um milênio, e tudo, no entanto, passava tão
apressadamente! Vi através do espelho toda a minha vida desconcertante e
incoerente. Assustado com tal frenesi, eu fechei meus olhos e, aos abri-los, só
encontrei uma escuridão solitária e profunda que me anestesiava os sentidos.
À
escuridão, sucedeu-se uma grande claridade que me ofuscou a visão. Quando
consegui finalmente divisar alguma coisa, foi que me vi aproximando de mim
mesmo.
– Beatriz,
eu...
– Não,
não fale nada... Deixe que o silêncio e o calor dos meus braços te confortem.
Que a absurdidade e a estranheza da existência nos envolvam completamente. Tua
presença já é suficiente.
Unificados
finalmente, caminhamos de mãos dadas sem a necessidade compulsória de chegar a
algum lugar específico. A eternidade nos bastava.
janeiro 15, 2015
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Douradas
melenas,
alvas
espáduas,
sorriso
terno,
oh,
conto de fadas!
Queria
ter-te de novo
aqui ao
meu lado,
ou numa
ilha talvez,
em um
lugar apartado.
Inebriar-me-ei
ao ver
o teu
rosto amigo;
juntos,
finalmente,
encontraremos
abrigo.
janeiro 09, 2015
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Voluptuosamente,
me entrego,
ávido
de novos prazeres,
de
novas loucuras.
Em teu
seio sinto arfar
o
reflexo do meu desejo.
Ao
toque da tua pele, ardo;
tuas
carícias elevam-me ao céu.
Os
vapores da luxúria
excitam-me
os sentidos.
Fecho
os olhos...
Será
tudo um sonho!?
Estuans
interius
ira
vehementi
in
amaritudine
loquor
mee menti:
factus
de materia,
cinis
elementi
similis
sum folio,
de quo
ludunt venti.
|
janeiro 09, 2015
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Eu pensei que eu pudesse,
com o poder da minha vontade,
subverter a ordem
preestabelecida.
Eu acreditei firmemente em tudo
o que me dizia o meu coração;
segui os seus impulsos,
deixei-me levar.
E, apesar de todos os ventos
contrários,
dizia sempre a mim mesmo: “A
vida é bela!”.
Mas como na vida tudo é
efêmero, fugaz,
de um dia para o outro vi mundo
desabar.
Meus castelos, meus sonhos,
minha esperança,
tudo reduzido a pó, destruído
para sempre.
Passei a trilhar um caminho
real e doloroso:
a via-crúcis da minha
purificação.
Precisei sentir na pele todo o
desprezo,
toda a dor da existência, toda
a ausência,
para, enfim, estar completo
para enfrentar
o Dia da Grande Solidão.
janeiro 07, 2015
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Oh, cáustico saber,
aquele que te procura
sempre há de se arrepender.
No entanto, também será
recompensado,
pois o que era de acre sabor,
com o tempo, torna-se
gradativamente doce:
recuperamo-nos, aos poucos, do
rancor.
Melhor a incerteza filosófica
do que a confiança cega e
obliterante
nas falsas certezas deste atual
mundo reinante.
janeiro 05, 2015
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Na solidão claustrofóbica de
seu quarto,
ele buscava ansiosamente por uma
saída,
por uma resposta para o seu
sofrimento.
A insônia apoderava-se de todo
o seu ser;
nem mesmo quando fechava os
olhos
ele conseguia se desvencilhar
de seus temores.
A porta, tão tranquila e
fechada, em nada ajudava;
ela poderia ser tanto uma rota
de fuga
quanto um terrível canal de
entrada.
O dia amanhecia e, pela janela,
uma frouxa luz adentrava,
trazendo consigo novas
esperanças e, não menos,
novos desapontamentos.
Era imperativo recomeçar!
E assim, abrindo vagarosamente
a porta,
ele aquietou o espírito e saiu
de seu torpor.
janeiro 04, 2015
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